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25.9.10

# 3

«Olá Hannah, pareces cansada. Sou eu», disse Dieter enquanto afastava a cortina e distraidamente tomava nota de quem tocava aquela hora incomum à porta de James, o inglês que morava na casa ao lado. Acendeu-se a luz do patamar exterior e reparou que se tratava de um homem magro e alto. Não lhe conseguiu ver as feições, o homem estava de lado e além disso tinha a cabeça coberta pelo capuz do casaco desportivo cinzento. Dieter achou um pouco estranho, por estar bom tempo, mas não deu importância ao facto. «Devias sair mais, passear, ir ao cinema, não te faz nada bem passares a vida fechada em casa...». A porta abriu-se e os dois homens trocaram algumas palavras. Dieter não conseguia ver o vizinho, que permanecia dentro de casa, mas viu o homem alto levantar o braço em direcção a James. Não lhe viu a mão, nem ouviu qualquer barulho fora do comum, mas conseguiu ouvir o estrondo seco de James a cair no chão e o som de algo a estilhaçar-se. O homem alto meteu a mão no bolso do fato de treino e afastou-se, rapidamente mas sem correr e olhando para todos os lados. Dieter vislumbrou um rosto moreno e comprido, um nariz afilado e baixou-se num gesto reflexo, ainda com o telefone encostado à orelha, esperando ansiosamente que o desconhecido não tivesse reparado na luz da sua janela ou no movimento das cortinas. «Dieter, então, queres conversar ou queres que me toque? Nem imaginas o que tenho na mão, comprei um brinquedo novo na internet e chegou hoje, especialmente para ti...». Continuava a ouvir Hannah do outro lado da linha enquanto procurava imobilizar todos os músculos do corpo. Desligou precipitadamente o telemóvel, amarfanhou o charro na palma da mão abafando a dor e manteve-se em completo silêncio. Olhou para o relógio. Era quase meia-noite e os cães já tinham parado de ladrar. Esperou o que lhe pareceram uns minutos e resolveu finalmente arrastar-se até à sala de jantar ao lado. Espreitou pela janela e viu a rua deserta. A porta de James permanecia aberta mas não conseguiu ver mais nada para além da luz que irradiava do hall para o pequeno jardim fronteiro. Sentou-se novamente no chão, recuperou o sangue-frio e ligou para o número de emergência. «O meu nome é Dieter Neumann, moro no número 14 da rua Ruppertshainer e acho que acabei de ser testemunha de um crime, venham depressa com uma ambulância», disse quase num sussurro. De gatas, foi até uma das gavetas da sala e pegou na pequena Sauer 38, uma relíquia dos tempos da II Guerra que herdara do pai e uma das suas várias armas de estimação.

24.9.10

# 2

Pensar em sexo, no seu caso, era falar de sexo. Ligou a Hannah. Conversar com ela era duplamente excitante porque era falar com uma profissional de uma linha erótica que ele sabia que tinha sido condenada por ter morto o próprio marido. Morto porque a traíra e não por a ter agredido ao longo do casamento de toda a vida, mas isso só Dieter sabia. Depois de sair da cadeia, três anos atrás, Hannah tinha ido viver para Darmstadt, onde ninguém a conhecia e onde não queria conhecer ninguém, costumava dizer-lhe. A regularidade irregular era uma das muitas falsidades de Dieter no relacionamento com Hannah e ela disfarçava surpresa sempre que recebia os telefonemas que já aguardava. Foi por isso que desconfiou que algo lhe acontecera quando ele morreu. Nesta noite de Setembro, o telefone tocou e Hannah perguntou um lento e longo e langoroso está. Nesse preciso momento os cães ladraram porque alguém tocou à campainha do vizinho de Dieter.

# 1

Dieter era guarda prisional numa cadeia para mulheres. Era porque já não é. Dieter também era ateu e acreditava que não voltava a ser. Honremos-lhe como tal a crença. Quando estas linhas se escrevem, portanto, Dieter já era. Mas antes de não ser, Dieter era guarda prisional numa cadeia para mulheres nos arredores de Frankfurt. Nesta noite de Setembro, dois anos antes destas linhas, um ano antes de morrer, Dieter respondia furiosamente a um comentário a um artigo do Spiegel online que noticiava a morte de soldados alemães no Afeganistão. Dieter, então com 35 anos, vivia sozinho e passava as noites em frente ao computador, quando não estava de turno ou quando não era dia de futebol de salão com os camaradas do corpo prisional. Tinha por companhia doméstica 157 amigos no Facebook, dois rotweillers e três carpas vermelhas num tanque no quintal das traseiras da sua casa geminada. Antes de ser guarda prisional, Dieter fôra polícia militar do exército e, à sua maneira, era um patriota. Não era um fanático da nação, gostava de viajar na rede e fora dela, cultivava uma postura cosmopolita, tinha-se como moderado, homem tolerante, amante da liberdade e dos valores democráticos, mas nutria um especial orgulho na circunstância de ser alemão e no facto de ter sido soldado. Acabou de responder ao imbecil que se congratulava com as baixas da Deutsches Heer na terra dos talibãs e acendeu um charro de erva. Olhou pela janela e começou a pensar em sexo.