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6.12.10

# 12

Hannah continuava a tentar que Dieter atendesse. O telemóvel ficou sem bateria. Foi à procura do carregador. Não o encontrava. Cada coisa no seu lugar era a sua utopia, um inédito concretizável... Daqui a pouco entrava na Sarin, estava na semana do turno da madrugada... Mas o que é que tinha acontecido? Porque não atendia? Sarin era como chamava à fábrica onde trabalhava, uma linha de produção da indústria farmacêutica, onde fiscalizava a qualidade dos medicamentos. Chamava-lhe Sarin por piada, e com o mesmo negro sentido de humor era esse o nome que adoptara para a sua persona da linha erótica. "Chamo-me Sarin e vou dar-te gás..." Um trabalho de concentração e repetitivo durante o dia, um trabalho de fantasia e improviso à noite. Dois trabalhos porque tinha um objectivo muito claro de destino a dar ao que ganhava. E porque não tinha com quem estar. Na fábrica, incomodava-a o trabalhar fardada, recordava-a o tempo em que estivera presa. Mas aqui tinha a cara tapada para além do corpo, nos tempos de cárcere o que mais a violentava era a falta de privacidade, onde pior do que a verem nua era ter de ver as outras nuas. Finalmente encontrara o carregador, estava ao lado da embalagem de comida para o peixe, que evidentemente deixara fora do sítio, estava na estante dos livros por ler (não deixaria jamais de tentar ser organizada, metade destes livros estavam ordenados alfabeticamente por apelido de autor e depois por ano de escrita do texto) e foi ligar-se à corrente e continuar a tentar falar com ele. Sentou-se no chão e viu que mantinha na mão a comida dos peixes, olhou, talvez por isso, para o aquário e viu o peixe morto que, estranho, estava numa impassível vertical. Dieter atendeu.