Começou aqui. E continua aqui: #2 #3 #4 #5 #6 #7 #8 #9 #10 #11 #12 #13 #14 #15 #16

28.10.10

# 8

Fasai Salam sabia que tinha de se concentrar em algo que o distanciasse do que acabara de ver, fazer, cumprir e a ordem não era esta e não era aleatória. Listas e associações que o distraíam do que não devia pensar era o seu jogo de meditação. Os filhos únicos de pais envelhecidos são mais criativos no alheamento. Enquanto procurava manter uma condução próxima da imagem dos detectives privados com os seus fatos discreto-incaracterísticos, dos quais só se sente a falta na ausência, dos quais não se é capaz de dizer nada sobre quem os vestia, iniciou a fuga. Noite escura, de tempos a tempos iluminada por neons publicitários de ruínas nas quais se perdeu o acesso a um interruptor, zunideiras lâmpadas de segurança de fábricas, informativas placas faiscantes de distâncias desinteressantes. “Do fundo do coração”. O filme que conduziu o americano à falência. Americano, noite. “A noite americana”. Imaginou que estava a guiar de dia, mas uma cortina técnica transformava em noite esse momento. Pensar em cortina neste país era desaconselhável ou inconveniente? Um americano a falar alemão em Berlim. Um anjo político. “As Asas do Desejo”. Perguntou-se se estaria James naquele momento a seu lado. A ouvir o seu pensamento. A tocá-lo. Estremeceu e espantou-se. Ainda teve tempo para se espantar. O comboio aproximava-se e passou por cima do carro que tinha ficado preso nos carris da linha. Se tivesse tido tempo, teria pensado nos bonecos animados que iniciam a corrida com muita aceleração mas sem velocidade… e já não interessava se eram americanos, do leste ou mesmo manga.

Afonso acordou com o toque do telefone. Perguntavam-lhe se era o dono do carro que era mesmo o seu carro. O Trabant fazia parte de uma aposta que tinha feito com os seus colegas da Universidade de Aveiro. Ia fazer a viagem de regresso do Erasmus de Berlim a Aveiro no Trabant bege. E agora…