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13.10.10

# 5

«Todo este mundo e os outros, tudo o que vês e não vês, tudo o que sentes, tudo o que imaginas, o sofrimento atroz e a felicidade mais pura, os animais e os montes, o mar e as estrelas, todas as criaturas, vivas e mortas, tudo o que sempre existiu e existirá, os espíritos e as coisas...». O velho ladainhava quase em surdina, sentado imóvel de pernas cruzadas, fixando o horizonte de sombra e ela deixou de o ouvir, perdeu-se em pensamentos nos pequenos olhos negros do velho, espelhos húmidos reflectindo as chispas de uma casca de árvore que ardia no pequeno fogo improvisado no chão para afastar os animais. A noite estava quente, uma escuridão densa, carregada de nuvens que se atropelavam lentamente num ribombar grave e prolongado sobre a planície semi-desértica. O resto da equipa dormia já nas suas tendas. Enrolada no saco de cama, Kate abraçou os joelhos e pensou em James e na última vez que o vira, cinco meses antes num pub londrino à beira do Tamisa, nas proximidades da babilónica sede do Secret Intelligence Service (SIS), popularmente conhecido por MI 6, onde ambos trabalhavam. Brindaram ao sucesso da operação e despediram-se como dois colegas e não como dois amantes que também eram. «Cuida de ti». «Tu também, não confies no sírio, tenho um mau instinto em relação a ele, adeus», respondeu Kate com vontade de dizer outra coisa, algo como «amo-te».

O velho continuava a murmurar sobre o tempo primordial dos sonhos e sobre os irmãos Kanbi e Jitabidi que trouxeram o fogo do céu. Há dois dias que percorriam aquela zona árida do interior da Nova Gales do Sul. Imaginou como estaria James a sair-se na sua parte da missão. O grito desesperado de uma ave nocturna em missão de rapina fê-la acordar do torpor melancólico em que se deixara envolver com as palavras mágicas do guia aborígene. Resolveu deixar o velho com a sua cantilena e recolher-se para dormir. A busca prosseguia bem cedo na alvorada e Kate tinha o corpo moído dos solavancos do jipe. A estrada há muito que ficara para trás e a situação da caravana não era promissora, com as reservas de combustível a chegarem quase a um ponto de não-retorno. Killara, o velho guia, assegurara durante o jantar que já não estavam longe.